A controversa abordagem de "Superman" com mensagem sobre família, caráter e legado
- Maicon Epifânio
- 1 de ago.
- 5 min de leitura
Superman, criado nos anos 30, é considerado por muitos como um dos três personagens fundamentais do universo dos super-heróis (ao lado do Batman e da Mulher-Maravilha). O personagem, quase centenário, evidentemente é uma peça fundamental desse gênero por ter sido o precursor de todos os heróis que vieram a ser criados pelas editoras de quadrinhos ao longo das décadas.

Ciente de toda a importância do Homem de Aço, James Gunn, figura conhecida da indústria do cinema, demonstrou priorizar o super-herói no novo universo compartilhado da DC Comics, editora detentora dos direitos do Superman. Desde que o cineasta se tornou o principal responsável pelo novo universo, fãs de todo mundo expressam diferentes opiniões e percepções a respeito de suas escolhas criativas.
O primeiro filme da nova versão do herói, interpretado por David Corenswet, estreou em 10 de julho e é um sucesso considerável em crítica especializada e bilheteria. Entretanto, o longa vem recebendo algumas críticas justamente por determinadas “escolhas”. Neste artigo, proponho a exploração de um dos tópicos mais polêmicos: a “vilanização” dos pais biológicos de Kal-El.
O que é "família"?

No universo regular de histórias em quadrinhos da DC, os pais de Superman quase sempre foram tratados como uma inspiração positiva para ele. Enviá-lo à Terra foi uma medida de urgência para que Kal-El tivesse a chance de viver em outro mundo, contribuindo da melhor maneira possível com seu novo lar. No filme de 2025, no entanto, a mensagem final dos pais biológicos de Clark deixa clara a intenção deles com a continuidade da espécie através da dominação. Essa mudança incomodou boa parte da audiência, mas o posicionamento da história base do Superman no novo DCU segue um raciocínio condizente com as HQs.
Embora “Superman” não seja inspirado no quadrinho mencionado a seguir, “Superman/Batman: A Supergirl de Krypton”, obra abordada no meu texto anterior, explora o conceito de família com o personagem de uma maneira bem interessante para se tratar aqui. No enredo, os dois heróis-título precisam lidar com a chegada de Kara Zor-El, uma “suposta” segunda sobrevivente de Krypton. O choque entre as diferentes perspectivas traz camadas muito interessantes para o Cavaleiro das Trevas e para o Homem de Aço.

“Ele acha que trazer a Kara pra Metrópolis é errado. Mas ele acha tudo errado. Típico do Bruce, ficar nas sombras, à espreita, olhando de longe… Talvez eu esteja mesmo indo rápido demais. Mas agora tenho alguém do meu planeta natal, alguém que possa me dizer mais sobre como era lá”: a perspectiva de Superman. “Isso não me sai da cabeça. Quem teria os recursos para criar algo como essa garota? Brainiac…? E aí está ele, em sua identidade civil. A única coisa que Clark consegue guardar para si. O DNA do Clark já foi replicado antes. O Superboy é um exemplo vivo disso”: o ponto de vista de Batman.
Como foi mencionado no outro artigo sobre a história, Clark sempre se sentiu só por ser o último sobrevivente de toda uma cultura. “Eu costumava pensar nesse lugar como minha Fortaleza da Solidão. Até isso a presença de Kara mudou em minha vida. Não é sempre que desejo que meus pais estivessem vivos. Jor-El e Lara gostariam de estar aqui hoje”: pondera o herói em determinado ponto da trama. A chegada de Supergirl de fato mexeu com as suas emoções por falar da sua origem, mas ao mesmo tempo a narrativa sempre ressalta que “família” para Superman é tanto a sua prima de Krypton quanto sua esposa Lois Lane e seus pais adotivos, Martha e Jonathan Kent.

No último capítulo da história, quando os dois heróis estão no planeta comandado pelo vilão Darkseid para resgatar Kara de seu domínio mental, essa importância dos pais adotivos é reforçada. Batman considera que “Clark Kent não foi sempre o Superman. Quando criança, ele tinha poucos superpoderes ou nenhum superpoder. Ele morava em Smallville, Kansas, e tinha todos os problemas de um garoto normal… Isto é, tão normal quanto possível nos dias de hoje. Clark foi criado com todo o cuidado e todas as precauções por Jonathan e Martha Kent”.
Os pensamentos do Cavaleiro das Trevas a respeito da influência paterna e materna no caráter de Superman vão além: “Eles o ensinaram a ser cauteloso, não apenas sobre como usar seus poderes, mas quando. [...] Ele começou a salvar vidas. Uma figura misteriosa que podia conter uma inundação ou salvar um bebê de um prédio em chamas. Martha Kent guarda um álbum com os feitos do filho. Ele só vestiu o uniforme depois de adulto. Quando Superman apareceu em público pela primeira vez, não sabíamos de onde ele tinha vindo. Apenas um homem com poderes extraordinários que queria ajudar os outros. Uma força do bem, impossível de ser detida, como o mundo jamais havia visto”.

Em outras palavras, o que torna o amigo um grande herói para o homem-morcego não é o legado dos pais biológicos, mas os valores humanos dos pais adotivos. É evidente que a mudança tomada pela versão do filme pode incomodar parte dos fãs, mas ela se inspira nessa ideia de que Superman se tornou bom por escolha própria e pela influência de Martha e Jonathan Kent, não por uma “missão” dada por Jor-El e Lara. Essa decisão criativa conversa com uma premissa importante para a vida real: não importa de onde você veio ou qual a sua herança biológica, mas sim o que escolhe fazer com sua vida no agora.
Outros personagens com abordagens similares

Outros personagens dos quadrinhos de super-heróis também dialogam com esse tipo de posicionamento tomado por James Gunn. Na Marvel, por exemplo, o mutante Noturno, dos X-Men, por anos foi considerado filho do demônio Azazel com a mutante Mística. Recentemente, um retcon contou que, na verdade, Mística utilizou o seu dom de metamorfose para copiar Azazel e, dessa forma, engravidar a mutante Sina. Em ambas as versões, Noturno possui uma herança genética demoníaca e a sua aparência sempre foi um grande incentivador para a perseguição contra ele e outros mutantes. Apesar disso, Kurt Wagner é reconhecidamente católico devoto e alguém gentil que optou pelo heroísmo, bem diferente dos três personagens envolvidos com a sua origem.
Já na DC Comics, a heroína Ravena, dos Novos Titãs, é filha da humana Arella Roth com o demônio Trigon. Diferente de Noturno, a sua herança demoníaca é direta e extremamente poderosa. Em diversas histórias, Rachel Roth é retratada lutando contra o seu lado maligno por ter escolhido o bem. Ela quase sempre utiliza seus dons provenientes das “trevas” como uma super-heroína capaz de sentir e se conectar com as emoções dos outros seres vivos. Da mesma forma que o novo Superman dos cinemas, Ravena é uma personagem escrita para mostrar que não são as crenças dos pais biológicos que definem o caminho de alguém, mas os seus próprios desejos. E mais: até mesmo o filho da pior das criaturas pode se tornar o ser mais amável, empático e altruísta que alguém pode conhecer.

Comentários