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Em que época você gostaria de ter nascido?



Thomasin McKenzie como Eloise e Anya Taylor-Joy como Sandie, personagens do filme Last Night in Soho

 

Você conhece, ou quem sabe é, uma daquelas pessoas que são apaixonadas por épocas passadas? Não é tão incomum encontrar indivíduos encantados com recortes temporais que não viveram, fascinados pela idealização que construíram daqueles tempos. Talvez, você se sinta deslocado no tempo, como se tivesse nascido na época errada por preferir a música, a moda ou o cinema dos anos 80 ou dos anos 90. Será que a sensação do passado ser melhor é real ou não passa de uma ilusão?

Quando assisti ao filme Noite Passada em Soho (Last Night in Soho), de 2021, fiquei reflexivo quanto a algumas questões relacionadas a esse assunto. Protagonizado por uma sonhadora aspirante a designer de moda chamada Eloise Turner (interpretada por Thomasin Mckenzie), o filme fala sobre como seria se pudéssemos experimentar uma época que gostaríamos de viver. Diferente de um recurso simplório de viagem no tempo tradicional, algo tão desgastado na cultura pop como um todo, a obra segue um caminho não tão óbvio. Ao longo da sua jornada, a jovem Eloise compreende que as percepções que ela possuía a respeito da Londres dos anos 60 eram enganosas. Todo aquele brilho e esplendor escondiam a escuridão que nem sempre era representada na música, no cinema ou na TV.

Segundo uma publicação de Tânia Aosani, em janeiro de 2020, para seu site Tânia Aosani Psicologia, a sensação de não-pertencimento e solidão é muito comum. “O psicólogo Abraham Maslow, em seu famoso modelo de motivação humana chamado Hierarquia das Necessidades, viu ‘amor e pertencimento’ tão importantes que os colocou em terceiro lugar na sua pirâmide, menos necessários apenas que nossas ‘necessidades fisiológicas’ básicas, como respirar, comer e dormir; e ‘necessidades de segurança’, como emprego e boa saúde”, declara o texto, mais adiante. É claro que diversos fatores podem contribuir para que alguém se sinta deslocado no mundo, mas percebo que, eventualmente, esse fenômeno se cruza com a idealização de épocas não vividas.




A personagem Elisabeta, da telenovela Orgulho e Paixão, interpretada por Nathalia Dill

A própria cultura pop, certamente, faz parte da construção dessa imagem idealizada que muitos possuem do passado. Determinados produtos midiáticos abordam, de maneira irrealista, certos períodos históricos ou elementos específicos daqueles períodos. Orgulho e Paixão, por exemplo, telenovela produzida pela TV Globo, buscou retratar o início do Século XX e trouxe como protagonista a mocinha Elisabeta (interpretada por Nathalia Dill). Em um vídeo do canal “Coisas de TV”, Larissa Martins e Fábio Garcia elencam pontos positivos e negativos da obra global de 2018. Ambos elogiam a forma como a novela das 6 abordou a questão da homossexualidade, deixando claro que são a favor de histórias de época tratarem de temas que eram silenciados naquele período. Por outro lado, tecem críticas em relação à protagonista. “Há formas muito mais interessantes de se discutir Feminismo sem ser com a Elisabeta fazendo textão toda hora”, opina Fábio, que recebe o apoio de Larissa logo em seguida, em determinado trecho do vídeo.

Particularmente, não acompanhei a novela em questão, mas me lembro de opiniões semelhantes nas redes sociais a respeito da personagem central da obra. A tentativa de introduzir pautas relevantes na ficção sempre é válida, mas a execução pode descredibilizar essa iniciativa. É possível discutir questões de gênero em uma obra que retrata qualquer momento da história humana, mas para isso é preciso considerar o contexto. Qualquer produto cultural que tenta promover uma causa social por meio de diálogos expositivos, utilizando personagens que parecem deslocados do seu tempo, soa mais como panfletagem. Uma obra verdadeiramente preocupada com a discussão daquele assunto não deve ignorar a mentalidade das pessoas da época que aborda, pois é perfeitamente possível para qualquer bom roteiro apresentar um contexto social de maneira crítica, sem romantizar os equívocos característicos daquele tempo. Ou seja, uma novela de época não precisa apresentar uma mocinha com “discursos do Twitter” para criticar o machismo inerente ao patriarcado.

Além de afastar o público de uma ligação genuína do debate por ser apresentado de maneira maçante, esse tipo de abordagem pode criar falsas ideias sobre os períodos históricos representados. Crianças e adolescentes em processo de aprendizado e socialização consomem informações diversas, assim como quaisquer pessoas nos tempos atuais. Senso crítico é algo formado com o tempo, mas o que acontece quando os jovens estão em contato constante com produtos culturais que vendem imagens artificiais de determinados períodos da história? Ainda que um adolescente saiba a diferença entre ficção e realidade, as referências simbólicas impactam na construção da visão de mundo dos indivíduos. Entender a importância dos debates sociais é, também, entender que existiram tempos mais sombrios que feriram, violentaram e perseguiram determinados grupos que, hoje, lutam por seus direitos.




O filme de 2021 tem a direção de Edgar Wright e foi co-escrito por ele e por Krysty Wilson-Cairns

De volta ao filme citado no início do texto, a protagonista Eloise era uma dessas pessoas que constroem sua visão de mundo com forte base nas referências culturais. Desde os primeiros momentos do longa-metragem, a música está muito presente e é uma ferramenta utilizada pela imaginação da personagem para que a mesma crie a sua própria percepção dos anos 60. Da maneira mais dolorosa possível, ela logo entende o quanto o glamour daquela época escondia a violência patriarcal contra as mulheres. Toda a fascinação de Eloise por um tempo que jamais viveu a coloca em uma espiral de experiências que desafiam a sua sanidade. O desfecho do filme me levou a pensar como seria se todas essas pessoas que idolatram o passado pudessem viver o que a estudante de moda fictícia viveu.

A questão é: não existe tempo perfeito. Cada período da humanidade enfrentou seus problemas, pois sociedades humanas são falhas como os próprios humanos. Uma visão de mundo radicalmente progressista, como se tudo sempre avançasse rumo ao melhor, é equivocada, mas o saudosismo cego também é. O que quero dizer com este texto é que não devemos romantizar o passado ou idealizar o futuro, mas viver o agora. O tempo mais importante é o que temos neste momento. O que já passou deve ser memória para que não pratiquemos os mesmos erros e para que o nosso aprendizado nos leve a possibilidades melhores no futuro. No entanto, a nossa vida está no aqui e agora. Não desperdice seu tempo com idealizações fantásticas; use-o para transformar a sua realidade e construa, com suas próprias mãos, o seu lugar no mundo.




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