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Foto do escritorMaicon Epifânio

Estar preparado para o pior é sempre o caminho ideal?





Heróis em Crise foi um arco de nove edições escrito por Tom King de 2018 a 2019 e ocorreu tendo Arlequina, Gladiador Dourado, Wally West e a Trindade (Mulher-Maravilha, Superman e Batman) como seus personagens centrais. Embora a trama não fosse focada em ação, ela foi capaz de expor algumas reflexões interessantes por meio das interações entre seus personagens.


Muito se fala na comunidade nerd a respeito do famigerado "preparo" do Batman, mas neste texto, o foco não é falar sobre o quanto os fãs são equivocados em acreditar que ele pode vencer qualquer um com sua preparação. Na verdade, a ideia é debater: "Estar preparado é mesmo a melhor opção, sempre?".


Antes de tudo, vamos ao contexto. Na história, um massacre aconteceu no Santuário, um local de repouso e cura para heróis mentalmente feridos. Arlequina e Gladiador Dourado são os dois sobreviventes e únicos suspeitos, o que leva a Trindade a buscar Harley no capítulo #2. É preciso entender alguns pontos para essa conversa. A tão debatida "forçada" nas capacidades da anti-heroína pra vencer a Trindade é uma falácia sem base. Primeiro porque ela não venceu, mas sim os atraiu até ali para passar uma informação. Segundo porque a investigação dos heróis estava no início e não havia interesse da Mulher-Maravilha ou do Superman de usar violência desnecessária contra Arlequina. Terceiro porque o único realmente derrotado ali foi o Batman. E explico o porquê.





Mais tarde na trama, um diálogo entre Batgirl (Bárbara Gordon) e Arlequina explica muito bem a maneira como Batman as enxerga. Por ser uma pessoa orgulhosa e com seu senso de justiça bem fechado, ele costuma fazer avaliações particulares das pessoas. Segundo as palavras de Bárbara, aos olhos do herói, ambas são garotas assustadas e feridas, produtos de sua rivalidade incessante com o Coringa. Batgirl deixa claro que ele as subestima, que o Batman não as vê como quem realmente são.


Voltando ao capítulo #2, ciente de que não pode enfrentar a Mulher-Maravilha, Harley faz uso da compaixão da heroína, abraçando-a. Se tratava de uma situação de tragédia e dores emocionais para tantas pessoas. Diana aceitou, sem resistir, ao abraço. Foi quando Arlequina pegou o Laço da Verdade e se afastou. Batman exigiu que Superman não atacasse, pois o armazém em que estavam era frágil e podia desabar. Na cena, vemos mais um momento em que o Cavaleiro das Trevas subestima Arlequina, afirmando ter a pego antes de realmente fazer. O que aconteceu foi o contrário: ela o pegou com o Laço da Verdade.





Com o risco do Batman ter o pescoço quebrado, dominado por Arlequina e o Laço da Verdade, Diana impediu que Superman agisse. Foi aí que o que realmente quero tratar aqui aconteceu. Harley sabia que o Batman mente para estar sempre preparado contra seus aliados e ela sabia que ele teria feito isso com seus dois amigos. Para quem não sabe, Arlequina sempre teve o pensamento de que o Batman era presunçoso com as pessoas, disposto a julgá-las como uma espécie de juiz da moral.


O resultado? Ela expôs que Bruce guardava uma Kryptonita ali em caso de emergência contra o Superman e conseguiu fugir, visto que os dois foram neutralizados e a Mulher-Maravilha preferiu ajudar os amigos do que ir atrás de alguém que, "aparentemente", estava apenas se defendendo. Após ler o arco completo, eu compreendi que a grande maioria das críticas a respeito dessa sequência dizem que o enredo errou ao colocar a Harley vencendo a Trindade apenas de desculpa. Muitos, na verdade, não aceitaram o fato de que ela derrotou - naquele contexto - e expôs apenas o Batman. E que, no fim das contas, ainda foi comparada ao Cavaleiro das Trevas pelo Superman.


E você me pergunta: "Como assim ela derrotou o Batman?". Veja bem, não se tratou apenas de um momento em que Harley o subjugou. A Sereia de Gotham também provou que ele estava errado. Errado por subestimá-la, por sempre querer as coisas à sua maneira e por sempre escolher o caminho da mentira. Caso Bruce não tivesse subestimado Arlequina ou mentido para seus amigos, o rumo das coisas seria diferente. Harley, no entanto, não estava ali para feri-los. Mas e se fosse outra pessoa? Outras intenções? Nem mesmo a mais genial das mentes consegue se preparar para tudo ou calcular todos os cenários. Ninguém possui intelecto ou conhecimento suficiente para sempre estar certo. Todos erram, todos falham.


O Batman sempre age considerando o "Se". E se o Superman perder o controle... E se ele se tornar maligno... E se a Mulher-Maravilha não estiver ali para enfrentá-lo... Devido à sua constante desconfiança e pessimismo, Bruce pensa no pior em todas as situações. No entanto, como dito, Arlequina provou que estar preparado para o pior, muitas vezes, apenas piora ainda mais. Entremos agora na mesma linha de raciocínio das possibilidades. E se o Batman não estivesse com Kryptonita? E se ele tivesse contado para os amigos ao invés de negar ter uma, para que pudessem estar preparados para isso? Percebem como os cenários das hipóteses são infinitos? Você nunca pode estar preparado para tudo.






Ao menos naquele caso, o melhor caminho era ter confiado em seus amigos, dito a verdade. Isso se aplica em nossa vida real. Há muitos momentos em que é melhor se proteger, se preparar para a possibilidade de alguém próximo nos machucar. Por outro lado, existem situações em que é melhor estarmos desarmados e abrirmos nosso coração. Situações que pedem que sejamos sinceros, verdadeiros, confiáveis, para que os laços se fortaleçam. E para que possamos lutar junto de quem nos ama por quem somos, não por quem queremos parecer.


Uma sequência simples como essa veio para ilustrar que não devemos nos encher de certezas a respeito de outras pessoas, não devemos sempre ser guiados pelo ceticismo, pela presunção. Heróis em Crise é uma história de fragilidades, vulnerabilidades, criada para evidenciar que ninguém é perfeito. E, no caso de pessoas como Batman, nenhum "preparo" resolve tudo e ninguém está preparado para todas as situações. Você não é capaz de verdadeiramente conhecer alguém sem se dispor a compreendê-la e entendê-la de verdade. E é justamente pensar no pior que pode fazê-lo acontecer.



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