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"Eu me torno" ou "eu sou"? - Sexualidade, identidade de gênero e cultura pop


Capa variante DC Pride 2022, por Joshua Swaby



 

Muito se discute sobre um herói que "virou gay", vilãs que se tornaram um casal e outras polêmicas envolvendo sexualidade nas histórias em quadrinhos, filmes e outras produções culturais. Por incrível que pareça, a comunidade nerd, em muitos momentos, é preconceituosa e reproduz diversos pensamentos de senso comum. Mesmo quando os supostos nerds têm acesso à informação e entram em contato com culturas diferentes através da mídia, alguns permanecem tendo a dificuldade de aceitar o que não se encaixa no "padrão".

Quando se fala em minorias sociais, alguns acreditam que esse termo está ligado à quantidade: por exemplo, ser a menor parte de uma população. Segundo publicação, de 2017, de Louise Enriconi para o site Politize, o sociólogo Mendes Chaves define esse conceito como: “um grupo de pessoas que de algum modo e em algum setor das relações sociais se encontra numa situação de dependência ou desvantagem em relação a um outro grupo, 'maioritário', ambos integrando uma sociedade mais ampla. As minorias recebem quase sempre um tratamento discriminatório por parte da maioria”. Mais adiante, o texto elenca algumas das características em comum de grupos minoritários: vulnerabilidade, identidade em formação, luta contra privilégios de grupos dominantes e estratégias discursivas.

Embora este artigo de opinião tenha como foco a comunidade LGBTQIAP+, falar sobre o conceito de minorias é importante para que as pessoas compreendam que não se tratam de simples números. Em alguns cenários, os menos favorecidos são maioria em quantidade, mas mesmo assim são afetados por diversas desigualdades presentes em nossa sociedade. Segundo dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2019, o número de mulheres no Brasil é superior ao de homens. A pesquisa indica que a população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres. Por outro lado, as discussões sobre pautas sociais continuam levantando as diversas desvantagens do gênero feminino, pois a superioridade numérica das mulheres nunca lhes garantiu mais direitos do que os homens.



Gráfico extraído do site Educa IBGE, linkado no fim deste texto


De volta à questão da sexualidade, quando dizemos que a comunidade LGBTQIAP+ é uma minoria, não estamos nos referindo à quantidade de pessoas que são gays, lésbicas ou trans. Calcular esses “valores” é uma tarefa difícil, visto que muitas pessoas não se assumem ou não se compreendem como algo fora do padrão cis-heteronormativo. Muitos, socialmente, se dizem heterossexuais, mas escondem práticas diferentes do que falam ter. Muitos não admitem quem são por preconceitos na família ou por próprios preconceitos. Ao longo dos meus anos de experiências como homem cis e bissexual, já conheci diversas pessoas que se escondiam: e já fui uma delas.

Por volta dos anos 50, por exemplo, nos Estados Unidos, ser homossexual era crime. Sua sexualidade fora do padrão heterossexual seria considerada um motivo para você ser preso e detido. Imagine todo o estigma social que uma pessoa tinha ao ser apontada como homossexual. Ao longo dos séculos, quantas pessoas sofreram violência física e emocional devido a algo que elas não podiam mudar? Embora fundamentalistas religiosos costumem categorizar qualquer desvio da norma heterossexual como um pecado, a sexualidade não é algo mutável, não é algo que se aprende, nem que se ensina. Sexualidade é algo próprio de cada indivíduo e não há escolha alguma para isso ser um pecado.

Portanto, ninguém “vira” ou se “torna” gay. Esse conceito simplesmente não existe, pois a ciência não prova, nem possui uma vertente coerente para afirmar que a heterossexualidade ou a homossexualidade são aprendidos em vida. Sendo assim, quando você ver um herói ou qualquer personagem da cultura pop se descobrindo bi, gay, assexual ou qualquer outra coisa, não julgue, não ataque, nem critique como se fosse uma transformação sem sentido. Em termos de sexualidade as pessoas não se transformam, as pessoas se descobrem. E como dito anteriormente, se aceitar ainda é um processo muito complicado para muitos indivíduos. Você não apanha por ser hétero, não sofre psicologicamente, não é excluído de grupos, nem desfavorecido em empregos. Tudo isso acontece com todas as outras orientações sexuais ou identidades sexuais (como, por exemplo, com pessoas trans).




Bernard e Tim Drake, personagens que se envolvem em um relacionamento romântico, nos quadrinhos da DC Comics


Em parte, a dificuldade dos indivíduos de aceitarem a si e aos outros como diferentes vem da má representação das possibilidades de identidades e orientações na mídia. Na cultura pop, existe apenas uma pequena parcela de representatividade para esses grupos. Você ainda não vê, por exemplo, filmes de super-heróis estrelados por personagens claramente LGBTQIAP+. Se vê poucos títulos de quadrinhos solo de personagens abertamente fora da norma heterossexual e que defendem a causa. E quando uma empresa como a DC Comics decide apresentar um adolescente ou jovem adulto descobrindo sua sexualidade não-heteronormativa, polêmicas extremamente desnecessárias são geradas, como foi no caso do Superman Jon Kent e do Robin Tim Drake.

Por que tudo isso ocorre? Discutimos acima que os heterossexuais, na prática, não necessariamente são mais numerosos do que os LGBTQIAP+. Então por que na cultura pop, a grande maioria dos personagens são abertamente heterossexuais? A resposta é simples: preconceito. Os mesmos nerds que se dizem intelectuais e que supostamente interpretam tudo de forma mais aberta têm dificuldade para aceitar a diversidade sexual dos personagens. Para pessoas assim, foi inaceitável quando Jon Kent e Tim Drake beijaram outros homens, mesmo que isso não mude absolutamente nada na essência dos dois heróis. Por que o fato de um herói se envolver com um homem seria uma razão para diminuí-lo? O que sexualidade tem de tão importante para reduzir ou elevar um personagem dessa maneira?

Já que mencionamos o exemplo da DC Comics, a empresa está a frente nessa questão, pois existem alguns personagens claramente gays e bissexuais que possuem relacionamentos estáveis dentro dos quadrinhos. Antes da exploração da sexualidade dos dois personagens citados acima, a grande maioria dos heróis mais importantes da empresa eram heterossexuais. Felizmente, percebemos que essa realidade vem mudando, afinal as pessoas da vida real são diferentes e diversas demais para somente um tipo de representação dominar os núcleos com maior destaque. Devemos cobrar por mais personagens que sofrem com as questões de aceitação e com as questões de não se compreenderem e de se esconderem. Devemos cobrar por mais heróis assexuais, gays, pans ou bi com revistas solos fixas. Quando qualquer empresa não mostra esses personagens com maior diversidade, ela continua reforçando a falsa sensação da normalidade heterossexual.




Charlie e Nick, personagens que se envolvem romanticamente na série Heartstopper, da Netflix


Na vida real, existem muitas pessoas que sabem no fundo o que elas são, mas que permanecem escondendo a própria essência. Algumas constituem uma família, para só anos e anos à frente aceitarem quem realmente são. É necessário mais espaço para personagens gays, bissexuais, assexuais, transexuais e afins, pois esses temas são importantes e falar sobre eles salva vidas. Muitos desses personagens foram criados em um tempo no qual falar de diversidade sexual era considerado hediondo, mas os tempos mudam. Os quadrinhos podem e devem acompanhar, assim como qualquer tipo de produção cultural.

Discutir sobre tudo isso nos quadrinhos e em qualquer meio midiático ensina as pessoas a respeitar as diferenças e ajuda a quem precisa no processo de aceitação. Discutir sobre a diversidade sexual nos ajuda a entender que uma garota beijar outra garota não deve ser visto e vendido como um fetiche masculino, mas como algo vindo unicamente do desejo dessas duas mulheres. E que dois homens se beijarem não os faz menos homens. Ainda espero por mais diversidade nos filmes, nas histórias em quadrinhos, nos jogos e em tudo mais que possa ter. Por mais espaço para personagens diversificados e por mais liberdade em uma comunidade nerd tão hipócrita e egoísta. Vamos crescer, vamos evoluir, vamos respeitar.




Imagem utilizada pelo Brasil de Fato em matéria sobre Dia da Visibilidade Trans

Texto baseado na seguinte publicação,

de minha autoria:


http://aminoapps.com/p/2oigqk




Sugestões de leitura:


- O que são minorias?


- Quantidade de homens e mulheres | Educa | Jovens - IBGE


- “Dia da Visibilidade Trans tem caráter de luta e luto”, diz militante LBGT






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