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Injustice e sua medíocre representação da Mulher-Maravilha




Injustice: Gods Among Us é um jogo de ação produzido pela NetherRealm Studios em parceria com a Warner Brothers Games em abril de 2013 e que deu origem a uma franquia de peso na cultura pop. Além de uma sequência para o primeiro jogo tão popular quanto, Injustice também teve uma adaptação nos quadrinhos da DC Comics. Reconheço que os jogos em si são de grande qualidade e valem muito a pena como lazer. Entretanto, parte da culpa da história da adaptação em quadrinhos ser ruim vem do fato do próprio jogo se equivocar em algumas coisas. E, provavelmente, um dos maiores erros de Injustice está na sua representação da Mulher-Maravilha.


Existem personagens na DC que carregam um legado muito forte e importante para a indústria cultural. A Trindade da DC, hoje em dia, é reconhecida como a base de suas histórias, sendo que o Superman e a Mulher-Maravilha, principalmente, carregam ideais que moldam os mais importantes conceitos de heroísmo da editora. Focando especialmente na Amazona, ela não é somente um dos personagens mais importantes da DC, como a personagem feminina mais importante dos quadrinhos e de toda a cultura pop, de todos os tempos. Em outras palavras, só por sua presença, Diana já traz consigo uma importância e uma relevância inquestionáveis.


Portanto, ela é o tipo de personagem que, ao ser utilizada, tem de ser retratada da melhor forma possível, assim como o Superman, ou personagens de nível semelhante de importância. Afinal de contas, quando um personagem tão grande é retratado de forma incorreta, as consequências são catastróficas. Temos como exemplo a representação do Superman em Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, um marco importante nos quadrinhos, mas que foi negligente ao mostrar o Kryptoniano em uma batalha obviamente tendenciosa para o lado do Batman. Aquela luta é a responsável pela maior parte das pessoas que insistem em acreditar que o Batman não apenas vence do Superman, como é melhor do que o mesmo em todos os aspectos. Ainda que seja uma obra renomada, ela influenciou e ainda influencia consumidores desse tipo de conteúdo que mal interpretam o personagem ou o criticam sem buscar entendê-lo, apenas por uma rivalização desnecessária com o Batman.


Isso tem mais em comum com o caso da Mulher-Maravilha em Injustice do que parece. Muitas pessoas que tem como primeiro contato com a personagem essa história, certamente, vão criar uma antipatia com ela. Isso porque, no enredo, Diana comete diversos atos questionáveis e totalmente anti-heroicos. Ela mata e age como tirana de uma forma que nunca existiu em todo cânon da personagem. Assim como a obra de Miller foi responsável por modificar a forma como o Superman era visto por muitas pessoas, Injustice acaba criando uma imagem incorreta de quem é a Amazona. Já conheci, inclusive, pessoas afirmando que odeiam a personagem conhecendo apenas a sua versão desse enredo.



A personagem nas páginas dos quadrinhos de Injustice


Existem, ainda, aqueles que acreditam que a versão de Diana nesta obra não é incorreta, pois seria apenas uma demonstração do que ela seria ao libertar a sua suposta tirania natural. Apesar de ser uma guerreira nata, a Amazona possui um código ético similar aos de outros heróis. Diana não mata, ela sempre segura os seus poderes e se limita, mesmo quando a situação é mais crítica, para não ferir inocentes e para não tirar a vida dos seus adversários. O que acontece com a heroína é que, diferente do Superman ou mesmo do Batman, não enfrenta apenas bandidos malucos ou alienígenas super-poderosos. Diana enfrenta demônios, deuses, entidades malignas, criaturas sobrenaturais e diversos outros tipos de inimigos que não terão piedade dos humanos.


Na maioria das vezes, a Amazona lida com situações muito mais difíceis do que simplesmente um bandido que pode ser contido em uma prisão. Enquanto o Superman e o Batman foram criados em sociedades humanas comuns, Diana foi criada em uma sociedade que sempre conheceu os mais perigosos seres da realidade. Ela sempre soube que, em determinadas situações, deveria tomar escolhas complicadas para salvar mais vidas. Mesmo assim, quando sabe que precisa talvez retirar a vida de uma criatura maligna que ameaça a humanidade, Diana sofre e não tem prazer algum em realizar o ato.


Afinal, algumas pessoas esquecem da principal função da Mulher-Maravilha no mundo do patriarcado. Diana não abandonou Themyscira para ser uma guerreira ou heroína. A filha da rainha Hipólita deixou seu lar para ser uma mensageira da paz, do amor, da justiça e da verdade entre os mortais. É tão altruísta que deixou para trás a sociedade perfeita em que vivia para doar o seu tempo e sua vida em prol dos pobres humanos que se matam a todo segundo neste mundo.


Onde estão esses conceitos na versão da personagem em Injustice? Simplesmente não existem. A Diana não apenas mata sem remorso, tanto na história do jogo quanto na história da HQ, como em momento algum parece ser a diplomata e mensageira da paz que é desde as suas primeiras aventuras nos quadrinhos. Algumas pessoas até apontam similaridades entre a sua versão Injustice e a sua versão em Reino do Amanhã, pois ambas acabaram promovendo a guerra.



A personagem nas páginas dos quadrinhos de Injustice



O que elas esquecem, ou talvez desconheçam, é que a versão Reino do Amanhã de Diana é uma das mais fiéis representações da personagem. Enquanto a maioria dos heróis, incluindo Superman, Lanterna Verde, Flash, Batman e outros, deixaram de lutar pelo mundo, ela foi uma das pouquíssimas pessoas que permaneceram lutando pela justiça e pela paz pela humanidade. A diplomata não descansou um dia sequer, continuou persistindo e acreditando nos seus ideais, lutando por um mundo melhor, mesmo enquanto todos os outros haviam desistido. Mesmo quando a Terra estava cercada por caos, não pensou em implementar uma forma tirana de resolver aquela situação e continuava acreditando na paz.


Ainda sobre o Reino do Amanhã, em vários momentos, a obra deixa claro que as Amazonas acreditam que, em certas situações, a paz deve ser imposta através da força. Porém, a nossa princesa se recusa a seguir essa ideologia. Tanto é que é revelado que ela foi expulsa de Themyscira por falhar na sua missão. Quando percebe que a autoridade do Superman sobre os aliados está enfraquecida, Diana toma as rédeas e assume uma posição de liderança ativa, não para impor a sua forma de pensar, mas para resolver a crise. Apesar de tudo que estava acontecendo, a personagem só chega a retirar uma vida em uma situação extrema, quando o filho de sua antiga amiga Zatanna está prestes a morrer nas mãos de um inimigo. Ciente de que a guerra não tinha mais volta, mata o oponente. Isso ocorre pelas mesmas razões já explicadas: a princesa já está acostumada a lidar com adversários que não podem ser contidos por prisões ou por palavras bonitas. Sabe que existem inimigos que não vão se corrigir e que não vão mudar os seus atos. Inimigos que, se não forem detidos, irão retirar muitas outras vidas.


Portanto, a versão Injustice e a versão Reino não são parecidas, ainda que ambas trabalhem com o conceito de uma crise no mundo. Em Injustice, Diana mata por pouco, aprova tirania, não fala sobre o amor e a esperança que ela sempre defendeu, não parece se esforçar para convencer os seus aliados de que estão do lado errado. É estranho pensar que uma diplomata que constantemente realiza rituais com seu Laço da Verdade para entender se ainda está no caminho do bem se torna uma pessoa tão cruel.



A heroína como um dos personagens da franquia dos jogos


Evidentemente, os desenvolvedores da história de Injustice pouco se importaram com os princípios da personagem. Eles não pesquisaram, não se informaram sobre toda a essência que ela carrega. Pois nunca, em momento algum no cânone, a Mulher-Maravilha sequer se aproximou de uma figura de tirania que nos é apresentada nesta história. Em todas as principais situações nas quais a índole da personagem foi alterada em uma realidade paralela, surgia uma circunstância ou justificativa convincente. Enquanto Injustice tenta convencer do porquê Superman mudou tanto, não faz o mesmo com a Mulher-Maravilha. A história segue como se ela, no fundo sempre fosse assim, e é isso que desonra e despreza todo o legado da maior heroína de todos os tempos.


Ser uma deusa da guerra não significa ser alguém que gosta de guerrear ou causar mortes. Tanto Diana quanto a mitológica Atena somente são descritas como deusas da guerra porque buscam acabar com os conflitos, como divindades pacíficas e gentis. A versão da heroína em Injustice não apenas nada possui de relação com sua versão original, como também nega tudo o que a personagem representa. Sua versão ridícula aqui é o resultado de um fraco empenho dos desenvolvedores do jogo e da história em quadrinhos em pesquisar, se informar e retratar a verdadeira essência da maior figura feminina da DC Comics. Trata-se de um descaso imperdoável, um ponto extremamente negativo que não pode ser ignorado. Perto de todo o histórico da heroína, o enredo em Injustice se porta apenas como uma piada, e de péssimo gosto.


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