Fênix: Ressonância Orbital
- Maicon Epifânio
- 18 de set.
- 5 min de leitura
Sinopse:
Integrante da formação original dos lendários X-Men, Jean Grey evoluiu como mutante, como mulher e como habitante da Terra ao longo dos anos. O ápice de sua existência, no entanto, se deu com seu encontro com uma das entidades mais poderosas do universo: a Força Fênix. Tanto poder levou a heroína a um caminho de destruição, mas agora ela luta para corrigir suas falhas do passado e utilizar suas habilidades pelo bem de todos no cosmos. Nessa jornada, a telepata deverá tomar decisões importantes e lidar com suas consequências, tal como a ira de deuses sombrios e a ameaça vindoura do temível Thanos.

Um Deus onipotente e a salvação eterna existem? Bem, para a perspectiva do primeiro narrador, não. Esse é o primeiro conceito entregue nesta HQ e que conversa diretamente com a nossa realidade. Muitas pessoas, ao assumirem uma postura de subserviência à fé, abrem mão do pensamento crítico. No extremo oposto estão os céticos que, por buscarem o conhecimento e a verdade científica, se afastam da religião. O grande poder que a mutante alcançou ao longo dos anos é como o conhecimento perante a religiosidade.
Levo como ousada a postura do roteiro ao começar já com uma clara crítica ao fundamentalismo e ao uso da religião como ferramenta de dominação. Poderíamos ter aqui apenas mais um quadrinho cósmico — focado em níveis de poder e pouco interessado em discutir temas tão reais e necessários —, mas ele aproveita a oportunidade para instigar no leitor reflexões pertinentes.

Em outras palavras, considerando a conexão da narração com a ruiva, Jean se tornou “muito” para se prender a crenças limitantes. Ela adquiriu tanto poder e consciência cósmica que as súplicas dos mortais por Deus soam como besteiras sem sentido. Entender esse posicionamento da narrativa é fundamental para compreender a proposta da história como um todo, além de compreender a relação entre a mutante e a poderosa Força Fênix.
Após tantos momentos extraordinários e o acesso a tanto poder, Jean deixou de ser terráquea ou as suas relações do passado são o que ainda mantém sua “humanidade”? De forma não tão óbvia, essa é a principal questão que os 5 primeiros capítulos da nova revista protagonizada pela telepata tentam responder. O poder corrompe e nos afasta da nossa essência, sendo que tanto a Fênix quanto o controle pela religiosidade são formas de poder.

Por outro lado, a quem você recorre quando até mesmo deuses parecem pouco diante do seu grandioso poder? Quem poderá salvá-lo de si mesmo? Essas perguntas sem respostas é que conduzem a complicada jornada de uma das mais famosas X-Women da Marvel. Estabelecer uma discussão sobre fé e, logo em seguida, colocar na mesa tudo isso revela uma intenção da equipe criativa de falar sobre responsabilidade. Ninguém, nenhum deus ou demônio, é responsável por seus bons e maus atos além de você mesmo. Ao chamar a responsabilidade da protagonista para si, o roteiro convida o leitor a fazer a mesma coisa.
A partir disso, chegamos à grande tônica desta história: redenção. O poder da Fênix, ao longo das décadas de Marvel, levou Jean a perder o controle e criar uma fama terrível para si. Diversas vezes nesta HQ, indivíduos que ela tenta ajudar imaginam inicialmente que é nada mais do que outra ameaça. A mutante opera em escala universal, ajudando todos os que precisam como forma de compensar os seus “pecados passados”.

Isso torna a personagem identificável, mesmo possuindo um nível de poder tão extraordinário. Quem nunca cometeu erros tão grandes que, no futuro, tentou corrigir? Pessoas normais praticam coisas das quais se arrependem todos os dias. Muitas delas optam por um caminho de redenção, na tentativa de compensar erros com boas ações. Acompanhar Jean nessa jornada faz dela uma personagem inspiradora que cria em nós uma identificação palpável.
Parte do “tempo de tela” é focado na jornada da alienígena Adani. Talvez o leitor não se interesse por ela, mas o roteiro é capaz de tornar essa parte da leitura potencialmente prazerosa. Afinal, a narração de boa parte do texto é na voz de Adani e se conecta a cada um dos elementos sobre a protagonista nascida na Terra e a Fênix, apresentados no restante da história. Apesar disso, o clímax da jornada dessa personagem deixa a desejar.

O antagonista principal, o deus sombrio Perrikus, ainda não mostrou totalmente a que veio neste arco inicial. A revelação de sua aliança com um dos maiores antagonistas da história da Marvel é instigante e funciona para levar o leitor aos próximos capítulos. Neste enredo, por outro lado, a participação de Perrikus é quase que terciária por nos dar a sensação de que os acontecimentos apresentados seriam quase os mesmos sem sua presença. Isso não necessariamente é um problema porque a proposta da história é explorar os limites éticos da protagonista e não os do seu poder.
E por falar em outros personagens além da amada do Ciclope, há várias participações interessantes, de heróis e vilões, mas nenhuma tão útil para a exploração das camadas da protagonista quanto a Capitã Marvel. Carol Danvers aqui é apresentada como amiga e confidente de Jean, mas também como alguém que fala sobre a dureza dessa sua jornada de redenção. É uma mensagem ao leitor de que a vida não pode ser apenas dever e responsabilidades. Todos nós merecemos momentos de felicidade, priorizando quem somos e não o que devemos.

O quadrinho possui o objetivo de representar a Fênix como um símbolo de renascimento e recomeço. Mais do que uma força cósmica que ressurge da própria morte, Jean Grey é uma personagem feminina complexa mergulhada em traumas, culpa e busca por esperança. Ela é parte do grupo de X-Men originais, mas também uma figura emblemática que viveu momentos dramáticos intensos nas páginas dos quadrinhos do grupo.
Aqui, a equipe criativa mostra como uma figura central dos X-Men também pode viver sua própria história em uma revista solo. Através dela, a obra toca nos assuntos mencionados de modo expansivo, indo além da questão mutante. É um feito notável tornar uma figura tão poderosa quanto a Fênix uma personagem identificável com a qual somos capazes de nos conectar. E mais: uma persona que nos convence da legitimidade de suas dores sem perder o seu aspecto de criatura poderosa.

Por fim, os momentos de ação são de ótima qualidade. A arte bem feita da história enfeita esses cenários de batalha, sem deixá-los confusos quando há muitos personagens envolvidos, mas há momentos de irregularidade. As transformações parciais e totais da X-Woman em Fênix rendem cenas fascinantes que convencem o leitor da magnitude da mutante. Por outro lado, não há tanta criatividade no uso das habilidades dela em termos visuais e narrativos, quase sempre representadas no convencional. A HQ poderia ter sido mais ousada nesse sentido.
No saldo geral, os cinco primeiros capítulos da nova revista solo de Jean Grey nos entregam uma narrativa com muitas qualidades e poucos defeitos. Mesmo com o poder tremendo da Fênix, capaz de resolver praticamente qualquer problema enfrentado por heróis tradicionais, a telepata recebe bons momentos graças ao talento e esforço genuíno da equipe criativa. Histórias com esse tipo de protagonista facilmente caem no marasmo, mas não é o que ocorre aqui. E ainda toca em muitos assuntos relevantes, embora nada seja tão aprofundado quanto poderia ser. Recomendo!

Roteiro: Stephanie Phillips
Arte: Alessandro Miracolo
Lançamento: 2024
Nota: 4,5/5
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