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Mulher-Maravilha: A Verdadeira Amazona

Atualizado: 1 de jun. de 2020


Prepare-se para conhecer uma gênese da maior heroína de todos os tempos diferente de tudo o que você já viu. Criada como a única criança em uma ilha isolada de guerreiras, Diana de Themyscira cresce sem receber um "não" para seus caprichos. Embora valorosa, ela se tornou também uma jovem mulher inconsequente e vaidosa, o que acaba por gerar terríveis consequências para aquelas ao seu redor. Antes mesmo de se consagrar como Mulher-Maravilha, heroína da Terra, Diana deverá buscar redenção pelos erros que cometeu e se tornar merecedora de ser chamada como uma verdadeira Amazona.


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Jill Thompson é uma artista de coragem, e isso não se pode negar. No cenário dos quadrinhos, é raro vermos roteiristas hoje em dia com a ousadia para ir contra a maré e produzir histórias muito diferentes do que já está difundido, justamente por medo de rejeição. Quando um autor propõe algo inovador demais, o risco de dar errado é mais alto do que aquilo que todos já conhecem. Afinal, algo já popularizado costuma já começar na garantia de que, pelo menos, não vai acumular críticas dos fãs mais ferrenhos. Mulher-Maravilha: A Verdadeira Amazona faz justamente o oposto.


Diferente de qualquer versão da origem da heroína, Jill não busca reproduzir o mesmo molde de sempre: uma honrosa Amazona, nascida em uma sociedade que a ensinou o amor e a justiça, que por acaso entra em contato com um homem (Steve Trevor) e, após ganhar o direito de ser a representante da ilha no patriarcado, o leva de volta ao mundo dos homens. Essa velha história da personagem, sempre retocada aqui ou ali com mudanças pontuais de detalhes, não se repete aqui. Não temos Steve Trevor, não temos uma viagem para o patriarcado como uma bênção, nem uma heroína que já nasceu pronta para defender os oprimidos e lutar pela verdade.


Não que a história oficial da Mulher-Maravilha seja ruim, pelo contrário, sempre foi e sempre será um dos mais brilhantes elementos dos seus aspectos mais importantes. Contudo, isso não impede que novas e mais originais interpretações surjam para nos oferecer novas óticas de uma mesma personagem. Crescida como a única criança em uma sociedade de imortais, seria compreensível se Diana crescesse mimada, vaidosa e inconsequente. Algumas gêneses da personagem, como sua origem por George Pérez no início do Pós-Crise, já foram capazes de nos apresentar esse tipo de característica, mas de forma mais velada. Jill, aqui, escancara o fato de que, devido às circunstâncias de sua criação, a Amazona certamente cresceria com notáveis defeitos.


A visão inovadora e diferenciada da roteirista nos permite ter contato com um lado diferente da heroína, algo até então muito pouco visto. Podemos ver, também, aspectos culturais das Amazonas que quase sempre são colocados em segundo plano nas histórias gerais. Sabemos que elas são sábias, fortes, habilidosas e nobres, mas o que fazem no cotidiano? Como se divertem? Como se diferenciam umas das outras? O que desejam e o que pensam? Todos esses pontos sobre o lado humano das maiores guerreiras dos quadrinhos são atendidos através da abordagem totalmente nova de um roteiro valente e diferenciado. Jill não se prende ao previsível e constrói uma narrativa única.


Por mais que fãs tradicionais possam achar estranho a abordagem tão "anti-heroica" de uma figura tão importante da DC, a intenção da obra é justamente incomodar e nos retirar da nossa costumeira zona de conforto. A proposta da autora é nos levar aos âmbitos inexplorados de Themyscira e de sua mais célebre nativa, reformulando toda a sua gênese sem afetar o que já temos como canônico no panorama da Mulher-Maravilha. Afinal de contas, trata-se de uma história à parte da continuidade da editora, algo que a permite avançar por caminhos completamente novos sem modificar a base primordial da personagem. Temos aqui uma aventura singular, que nenhum outro artista no comando do título da Amazona foi capaz de reproduzir.


Mulher-Maravilha: A Verdadeira Amazona é uma graphic novel de 2016 que, como já dito, não pertence à continuidade tradicional da DC Comics. Isso por si só já nos garante a ideia de que tudo pode acontecer. Logo nas primeiras páginas, leitores mais experientes com a personagem notam mudanças importantes na origem das Amazonas e da heroína, como o fato da batalha contra Hércules ser bem diferente do já difundido (e, como consequência, o tradicional adorno dos Braceletes das guerreiras não ser utilizado por elas), a forma como Diana recebeu seus poderes ser inusitada e outras importantes divergências. Em nenhum ponto, no entanto, são mudanças que incomodam, pois desde as primeiras páginas, a obra se importa em apresentar tudo com sutileza e naturalidade.


Além disso, notamos também que a história possui uma velocidade não tão lenta, mas não tão acelerada, permitindo que possamos degustar cada momento sem que a trama se perca. Nos são apresentados detalhes importantes da formação de Themyscira e do crescimento da heroína entre suas irmãs Amazonas para que possamos, quando mais adiante, compreender melhor os detalhes de cada um dos mais importantes ocorridos. Do mesmo modo, podemos perceber que se trata de uma trama inteligente e expositiva apenas no necessário, deixando de modo subjetivo detalhes que apenas os atentos capturam.



É muito bem claro desde a primeira página da obra que o foco não é o grande poder de um dos mais grandiosos seres da Terra, ou suas batalhas extraordinárias. Compreendemos, sem demora, que a intenção da história é nos apresentar as razões pelas quais, um dia, Diana se tornaria Mulher-Maravilha e se afastaria de Themyscira para se aventurar no mundo do patriarcado. Como já dito, e agora reforçado, A Verdadeira Amazona não busca reformular a origem da personagem, ou reconstruir sua imagem de modo oficial. O grande objetivo da narrativa é levar a nós uma experiência inédita e desprendida, mas profunda, fato evidente já nos momentos iniciais.


Sendo uma graphic novel paralela à continuidade, Wonder Woman: The True Amazon passa por pontos que dificilmente você verá em uma história convencional. A obra nada mais é do que mais uma entre tantas versões diferentes da personagem, dentro das múltiplas realidades que podem ser encontradas no vasto panorama do Universo DC. Tudo isso é importante para entender a maneira como a trama avança. Por outro lado, é muito mais do que uma simples forma alternativa da já clássica heroína. Afinal de contas, quando se conclui a história, a primeira coisa que podemos dizer é que: você jamais esperaria por uma trama como esta.


É difícil falar sobre todos os nuances de Mulher-Maravilha: A Verdadeira Amazona sem expor informações reveladoras demais, justamente por ela ser tão inovadora que cada aspecto da mesma surpreende. Fato é que o roteiro entrega um trabalho original que constrói uma identidade própria sem pecar de forma significativa. Não há, portanto, defeitos prejudiciais demais para a imersão na narrativa. Não há do que reclamar do que nos é entregue, pois mesmo sendo ousada, a história é competente e cumpre com o que prometeu. Ainda assim, muitos poderão se recusar a acreditar nas ações aqui tomadas pela personagem. Elas não são mal construídas, apenas diferentes demais do que já estamos habituados com Diana de Themyscira. Entretanto, é preciso ler o enredo sem pesar na balança o que se é conhecido do caráter e índole da Amazona.


A arte é diferente do padrão costumeiramente visto nos quadrinhos. Se assemelha à pinturas de quadros, o que combina muito bem com a essência das Amazonas e os aspectos místicos e mitológicos que cercam Themyscira e suas moradoras. Até mesmo o uso das palavras é belo e funciona para compor, ao lado da arte, um clima diferenciado e compatível com o cenário da Ilha Paraíso. Alguns podem até estranhar, de início, por falta de costume com obras parecidas, mas nada é deixado a desejar nesse e em nenhum outro sentido relevante.


Ainda que seja uma HQ simples quando pensamos na forma como ela foi construída, sem reviravoltas tão extraordinárias ou acontecimentos megalomaníacos, a trama cumpre com seu dever. A já citada ousadia faz com que mesmo a pouco complexa construção do enredo seja original e diferenciada, causando no leitor sensações e experiências que poucas histórias em quadrinhos atuais são capazes de promover. É possível dizer que temos aqui uma proposta revolucionária e que, mesmo após ser lida, deixará marcas na forma como o fã enxergará a heroína daqui em diante. E uma forma humanizada e distante da "divinização" comum de ocorrer com superseres tão poderosos como Diana.



Um adendo necessário é que devo concordar com críticas que já li sobre a história, e particularmente vejo de modo semelhante ao ler a mesma por conta própria: nem todos vão gostar das decisões tomadas pelo roteiro aqui. Alguns pontos chegam a incomodar muito, não por defeitos da obra, mas pela ética e moral de Diana serem tão fervorosos e nobres que é muito difícil aceitar a forma como ela age aqui. A história chega a situar tudo de modo bem competente, mas o desfecho de tudo, com certeza, divide opiniões. Pessoalmente, julgo a forma como a trama foi finalizada como algo difícil de se julgar sem considerar nossas concepções pessoais. Na minha visão, considero bem complicado visualizar a forma como Diana conclui sua jornada aqui até o ponto em que ela se consagra como heroína na Terra.


Os pontos não parecem se ligar tão bem, visto que a trama não foi plenamente competente em nos convencer de que, apesar dos apesares, se tratam da mesma pessoa. Por mais que seja uma trama paralela, é um ponto "negativo" a ser levantado. Já em outra forma de se analisar, as escolhas que se encaminham para tal desfecho servem para nos lembrar que todos cometem erros, até mesmo pessoas aparentemente perfeitas como a Mulher-Maravilha. E nem por isso somos maus ou indignos de tentarmos melhorar. Portanto, as mensagens da trama estão diante do leitor, mas cada um interpreta e as recebe de forma pessoal, conforme é suas próprias concepções prévias sobre Diana de Themyscira.


Não é necessário ter leitura prévia sobre a Mulher-Maravilha para se inserir na obra, visto que ela expõe de modo claro, mas não repetitivo e preguiçoso, os elementos mais importantes ao redor da mitologia da personagem. Qualquer leitor iniciante, seja dela ou da DC como um todo, vai compreender cada detalhe da trama. Ter maior bagagem de leitura talvez faça com que o leitor compreenda melhor certas referências e faça certas comparações, mas nada essencial para o entendimento em si da história. E ainda para esses leitores iniciantes, A Verdadeira Amazona com toda a certeza servirá para introduzir uma ótica inédita da personagem que não pode ser encontrada em nenhum outro roteiro.


A Verdadeira Amazona é inovadora e original, mas ao mesmo tempo, comovente e marcante. A história surpreende e incomoda, mas também toca. Cada instante desta obra faz valer a pena a leitura, deixando evidente de que se trata de uma das melhores histórias da Mulher-Maravilha de todos os tempos. Mesmo sendo simples em termos de construção, temos aqui uma HQ única e especial, que vale muito a pena a sua leitura. Recomendo!




Roteiro: Jill Thompson

Arte: Jill Thompson

Lançamento: 2016

Nota: 5/5




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