Tempos atrás, Afrodite, Deméter, Atena, Héstia e Ártemis, com o auxílio do deus mensageiro Hermes, criaram uma distinta raça na Terra: as Amazonas. Representantes dos ideais divinos mais nobres, as habitantes da sagrada Ilha Paraíso carregam na eternidade a missão de proteger o mundo e cultuar os deuses que as criaram. Dentre elas, no entanto, surgiu uma mulher especial entre as especiais: Diana, filha da rainha Hipólita, princesa da raça. Abençoada com dons divinos, a destemida Diana cresce em sua terra com um grande amor em seu coração. Seu destino? Deter as ambições do terrível deus da guerra, Ares, levando paz e propagando bons ideais para toda a humanidade.
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A história retratada é a Mulher-Maravilha: Deuses e Mortais, o primeiro arco da fase de George Pérez, iniciada em 1987, considerada por muitos a melhor fase da super-heroína. A trama é composta pelas publicações mensais de Wonder Woman #1 a #7, dando início ao primeiro ano da jornada de Diana de Themyscira na DC Pós-Crise. Este é o momento em que se apresenta a origem mais clássica e conhecida da grande heroína que compõe a Trindade da editora ao lado de Batman e Superman, mas de um modo repaginado. Para falar da história, no entanto, devemos retroceder no tempo.
Em 1941, o psicólogo William Moulton Marston tinha a missão de criar um novo herói, mas acabou por decidir criar uma heroína. Apesar da vida polêmica, Moulton cultivava ideias de que as mulheres eram mais capazes do que os homens em diversas áreas e que o mundo seria melhor se governado por elas. Foi em meio a esse cenário que Diana de Themyscira, filha da rainha das Amazonas, surgiu.
Inspirado pelas várias mulheres ao seu redor, o psicólogo deu origem a uma personagem que, por essência, representava a luta pelos direitos femininos. É ainda mais interessante pensar que, mesmo sendo homem, ele se apegava a essas ideias e as defendia, mostrando que apoiar a causa feminista não é algo restrito para mulheres, mas de qualquer um que entenda que o respeito e dignidade devem ser iguais para todos, independente de gênero ou quaisquer outras questões. Em uma época na qual os homens dominavam todos os cenários, inclusive os quadrinhos, a maior heroína de todos os tempos nasceu, aquela com a missão de inspirar garotas e mulheres. As conquistas femininas nos Estados Unidos, como o direito ao voto, ainda eram recentes.
No entanto, após a morte do seu criador, a heroína protagonizou fases problemáticas, altos e baixos. Aquela que deveria inspirar as mulheres sofreu com histórias um tanto quanto machistas e que iam contra tudo o que Moulton acreditava. As vendas da heroína caíram, acompanhando a má qualidade das tramas. Foi quando, após a Crise, George Pérez assumiu a missão de repaginar a heroína e reintroduzi-la no Universo DC, alterando pequenos pontos e consagrando Diana de Themyscira com uma de suas mais bem vendidas fases, de todos os tempos.
Para um bom conhecedor de Mitologia Grega, esta HQ é um prato cheio desde o início, já que é uma trama completamente mergulhada em raízes mitológicas. No entanto, mesmo para leigos no assunto, tudo é aprazível e gostoso de se acompanhar. A trama avança sem pressa, na velocidade necessária para contar cada tópico: desde a inquietude no Olimpo que leva à criação das Amazonas até a idade amadurecida da princesa Diana e sua primeira aventura no patriarcado.
Os traços são belos e não há percepção para falhas de enredo ou continuidade. Os maiores admiradores da heroína provavelmente se agradam de início, e aqueles que não a conhecem tão bem ganham a oportunidade de se aprofundarem em sua mitologia. Não há sombra de dúvidas quanto à importância desta obra como um todo, mesmo desde os primeiros momentos da experiência de leitura, pois ela oferece ao leitor diversos momentos e mensagens que poucas obras fazem igual.
George Pérez cumpriu seu papel com um trabalho impecável. Conduzido por ele, o roteiro nos apresenta Diana como uma legítima guerreira, heroína e defensora da paz e justiça. A representação da Mulher-Maravilha é nobre, sem falhas. Todos os dilemas vividos pela personagem - desde sua inserção no mundo do patriarcado até sua luta direta contra o grande antagonista, Ares - são bem trabalhados e orgânicos. Não é equivocado disser que, após várias representações ruins da heroína em histórias anteriores ao reboot da Crise nas Infinitas Terras, esta é a primeira vez em muito tempo em que a Mulher-Maravilha é representada de modo fiel, fazendo jus à ideologia de sua criação em 1941.
Como um dia já dito pelo próprio Pérez, poucos profissionais realmente bons se colocavam à disposição para trabalhar com o título da personagem, o que acabava levando a editora a entregar a revista para pessoas não tão qualificadas. Os resultados foram períodos tenebrosos e um caos completo para a cronologia da Mulher-Maravilha. Entretanto, ao assumir a história, a equipe do artista foi capaz de revitalizar os elementos mais importantes do cânon da personagem ao mesmo tempo em que criou novos detalhes e vigor para ela.
Elementos dos mitos gregos, por exemplo, são muito explorados aqui. Talvez seja possível afirmar que nenhum outro roteiro da Mulher-Maravilha aprofundou tanto nas origens mitológicas da heroína como nesta fase. Os deuses participam em peso da história: as deusas criadoras de Diana, Hermes como seu guia inicial em suas aventuras, Harmonia como aquela que entrega a possível arma para a queda de Ares, além do próprio deus da guerra. Até mesmo a origem da raça das Amazonas, mergulhada na mitologia, recebe um carinho e atenção especial que nenhum outro roteiro da personagem um dia nos entregou.
O arco se mostra como uma trama política e mitológica ao mesmo tempo, usando a base dos mitos ao redor de Diana de Themyscira para falar sobre a violência, intolerância e ódio do mundo. Em todo o enredo, podemos perceber o viés extremamente político de Deuses e Mortais e absorver para nós o aviso do quão perigoso pode ser a sede humana por glória e poder. O arco se revela como mais do que uma simples história de origem de super-herói: ela é um debate sociopolítico e uma mensagem para promover paz e igualdade.
Os personagens são interessantes à sua medida, utilizados no que a história pede, resultando em uma aproximação natural do leitor ao que é narrado. Exemplos são: a rainha Hipólita, o piloto Steve Trevor, a professora Júlia Kapatelis, os vilões Deimos e Fobos, entre outros. O que não falta são bons personagens. Destaque deve ser dado, principalmente, às Amazonas, que possuem aqui uma origem tocante e filosófica que não deve ser ignorada. O dilema feminino de sua subjugação perante os homens é compreensível não apenas para as leitoras mulheres, como pra qualquer um, já que a mensagem é nítida, mas nada forçada. Justamente por isso, a existência das Amazonas e a importância de seus pensamentos e filosofias são adotadas pelo leitor com facilidade.
Ainda hoje, Deuses e Mortais é considerado a base definitiva da Mulher-Maravilha, uma das mais aclamadas sagas da heroína e, para muitos, sua maior história. Da mesma maneira, um dos maiores clássicos do Universo DC, de todos os tempos. A trama se encerra concluindo o embate entre a heroína e os ideais de Ares, mas já abrindo as portas para a participação de outra clássica inimiga de Diana: Mulher-Leopardo. Por reunir todos os melhores elementos das histórias da maior heroína de todos e tempos e por fazer jus a esse título como nenhuma outra trama, com toda a certeza, é uma excelente HQ. É essencial, inclusive, para quem deseja conhecer mais do universo da Amazona e se aventurar junto com ela. Recomendo!
Texto postado originalmente em: https://aminoapps.com/c/dcamino-comics/page/item/mulher-maravilha-deuses-e-mortais/WK4v_XYtVIDlRLaG5q0Dg0GLLe46gbZ50
Roteiro: George Pérez, Len Wein, Greg Potter
Arte: George Pérez, Bruce Patterson
Lançamento: 1987
Nota: 5/5
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