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O que os super-heróis nos ensinam sobre política e discursos de ódio?


Mulher-Maravilha, Superman e Batman em ilustração do artista David Despau

 


Em abril de 2018, publiquei a primeira versão deste texto. Estávamos próximos de um período eleitoral complexo e polarizado. Quatro anos depois, o cenário político brasileiro está tão conturbado quanto — talvez ainda mais. Quando escrevi este artigo, observava alguns do meio nerd dizendo que falar sobre política na cultura pop é desnecessário. É curioso como, ainda hoje, muitas pessoas preferem se abster ou se afastar do tema mesmo quando a presença dele é inevitável.

Um dos temas mais presentes e importantes no gênero de super-heróis é a política. Um dos meus exemplos favoritos disso é um dos grandes clássicos da DC Comics, Mulher-Maravilha: Deuses e Mortais, de George Pérez. As histórias em quadrinhos sempre foram muito mais do que quem vence quem ou qual personagem é mais popular ou importante do que o outro. É decepcionante ver tantos que se dizem nerds presos a questões tão minúsculas quando os quadrinhos tem uma infinidade de bons elementos para nos apresentar.

Na história mencionada, Diana parte de Themyscira como a campeã das Amazonas e enviada da Ilha-Paraíso para o mundo dos homens. A missão da heroína não era apenas combater soldados, mas propagar a paz e impedir que os ideais violentos do deus Ares destruíssem o mundo. Pouco a pouco, Ares e seus filhos espalham o ódio e a intolerância entre as pessoas, alimentando as chamas da guerra entre as nações. Os deuses, as Amazonas e todo o mundo quase foram destruídos, mas durante uma árdua batalha, a Mulher-Maravilha utilizou seu Laço da Verdade e foi capaz de mostrar a Ares as consequências dos seus atos. O futuro seria um planeta morto, no qual o deus governaria sozinho e sem súditos até perecer junto de uma Terra estéril. Dessa forma, a heroína foi capaz de convencê-lo do seu erro e salvar a todos. Qual o sentido de governar um mundo sem vida e sem ninguém para o seguir?



Ares, na história mencionada, chorando diante da revelação do futuro proveniente dos seus atos

Outro excelente exemplo de uso de questões políticas nos quadrinhos é o arco Lendas (Legends, no original, de 1986 a 1987). No enredo, a influência carismática e o discurso agressivo do vilão Godfrey lançam civis contra os heróis. A crescente de ódio quase entrega o planeta à Darkseid, um dos maiores antagonistas do Universo DC, por meio da manipulação ideológica. A grande ameaça não eram superpoderes, mas o fascismo oculto nas palavras do servo do vilão Darkseid. De forma similar, Deuses e Mortais (Wonder Woman: Gods and Mortals, de 1987) fala sobre uma séria questão: a importância da política, o perigo que representa a alienação das pessoas e a ameaça de figuras carismáticas e persuasivas.

Histórias como essas nos mostram figuras de discursos convincentes e atraentes, mas pautados em ódio, violência, arrogância e agressividade. Nos mostram como as pessoas estão dispostas a entregar seus futuros a figuras que vendem um falso discurso de melhorias, mesmo quando seu único argumento é o ódio. O que podemos aprender com tramas assim? Seriam as histórias em quadrinhos mero entretenimento ou uma forma de advertir as pessoas do perigo envolvendo essas e outras questões? Quadrinhos existem não apenas para divertir, mas sim para ensinar, denunciar, causar reflexões e críticas à nossa sociedade. Desde suas origens, no período da Segunda Guerra Mundial, personagens como Mulher-Maravilha, Superman, Capitão América e outros surgiram mergulhados em conceitos políticos.

Jerry Siegel e Joe Shuster, ambos judeus, criaram o Superman nos anos 30 como um ser de outro mundo crescendo em solo norte-americano e lutando para proteger seu novo lar do mal. Não apenas isso, mas se esforçando também para fazer parte do seu novo mundo, assim como tantos judeus na vida real ao escaparem dos horrores do Nazismo. A Mulher-Maravilha, por outro lado, foi a encarnação das ideias de Charles Moulton, um psicólogo que acreditava que o mundo seria melhor se governado por mais mulheres. A presença de Elizabeth Holloway Marston e Olive Byrne em sua vida foi fundamental para a inspiração e concepção de uma figura pautada em pensamentos alinhados ao Feminismo.







Mulher-Maravilha e Superman, duas importantes figuras do universo de heróis da DC Comics, estão atrelados a questões políticas desde suas origens








“Em que tipo de mundo você quer viver?”



A ficção, para além de oferecer entretenimento, tem a capacidade de denunciar os males que existem em nosso mundo. Nós enquanto consumidores de cultura pop devemos analisar as mensagens que essas histórias nos passam e entender que associar quadrinhos, filmes, séries e afins à política é natural e necessário. O universo dos super-heróis e a cultura pop como um todo não seriam o que são hoje se, no passado, tantos personagens e conceitos não tivessem sido construídos através de visões críticas e políticas sobre o mundo.

Devemos ser mais como os nossos heróis que defendem a paz, a justiça, o respeito e a verdade. Construir senso crítico ao consumir essas obras é necessário para entendermos o contexto no qual estamos inseridos. Escolher se afastar da política já é um ato político: é uma ação de isenção. Quando deixa de lado o seu poder de decisão, abre espaço para que outros escolham para você. Muitas vezes, outros como os vilões mencionados, sedentos por poder e controle. Figuras como Godfrey e Ares existem e estão entre nós, divulgando campanhas de ódio, tentando se eleger a cargos públicos e políticos com fake news, tentando ter o destino do país nas mãos. E as consequências disso? Na publicação anterior, eu sugeri a leitura das histórias citadas, mas não precisamos ir tão longe.

Vivemos, atualmente, um governo que debochou de mortes durante a pandemia, tentou desacreditar a ciência, promoveu desinformação, abandonou o meio ambiente, destruiu a imagem internacional do Brasil e atacou jornalistas e a própria democracia. Em 2018, eu tinha medo do futuro que viria com um candidato à presidência tão despreparado e desqualificado. Ainda me lembro de pessoas que eu conheço angustiadas, desesperadas e aterrorizadas naquela época. Hoje, o medo é de não termos esperança para que possamos sair desse caos. E mesmo assim, ainda existem pessoas defendendo um dos piores governos dos últimos tempos. Assim como ocorre em Deuses e Mortais e em Lendas, o ódio e a desinformação só geram mais caos. No fim disso, encontramos apenas a destruição.





Candidatos à Presidência em 2022. Imagem e reprodução: Valor Econômico

Figuras que promovem o ódio e a intolerância causam mais desigualdades, alimentam as perseguições às minorias, incentivam a destruição de muitas vidas. Acredito que aqueles que têm acesso à informação precisam utilizar esse privilégio para transformar a sociedade e combater discursos tão prejudiciais. Já os nossos candidatos existem para serem cobrados quando ocupam seus espaços e não para serem idolatrados como “mitos”. Não é com ódio que construímos um mundo melhor, mas com amor e igualdade. Se por acaso, o nosso mundo fosse um pouco mais como a sociedade fictícia das Amazonas, onde todas são irmãs, todas são iguais, todas se amam e se respeitam, o mundo seria muito melhor. Podemos sim fazer nossa parte por um país e um mundo melhor. Refletindo, pensando, questionando, e não apenas abaixando a cabeça para qualquer discurso violento que apareça por aí. Não adianta desaprovar o candidato X porque ele rouba, para aprovar o Y que promove o ódio. Não será assim que teremos melhorias.

O mundo não é para as "maiorias", o mundo é para "todos". A política, por sua vez, nada mais é do que um meio pelo qual todos podem se promover e encontrar seus direitos. E como costuma dizer a sábia Mulher-Maravilha… "Se a hipótese de vivermos num mundo onde tentar respeitar os direitos fundamentais de quem nos rodeia e valorizar uns aos outros, simplesmente porque existimos, são tarefas tão assustadoras, tão difíceis, que só podem ser tratadas por uma heroína nascida na realeza, então em que tipo de mundo estamos vivendo? E em que tipo de mundo você quer viver?"




A personagem Wonder Woman, interpretada nos cinemas pela atriz Gal Gadot



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