Tempestade: A Mutante Mais Poderosa da Terra
- Maicon Epifânio
- há 16 minutos
- 6 min de leitura
Sinopse:
Ororo Munroe é uma das heroínas mais conhecidas na Terra, detentora de vários títulos. Integrando atualmente a equipe dos Vingadores, Tempestade optou por trilhar uma jornada solo, mais afastada dos X-Men, e criou o Santuário Tempestade para abrigar todos os necessitados. Nesse caminho, no entanto, a mutante se depara com uma difícil decisão que coloca em risco a sua própria vida. Para salvar a si mesma de um destino terrível, Ororo se vê vítima de situações que lhe aproximam de uma entidade cósmica extremamente poderosa. Agora, como nunca antes visto, a deusa do clima alcança um nível completamente diferente e as consequências de tudo isso podem ser ainda mais tempestuosas do que se imagina.

“Ororo Munroe é tudo o que você espera de uma deusa das tempestades. Corajosa. Cheia de raiva. Feroz. Implacável. Poderosa. Ela vai lutar até que cada osso do seu corpo quebre, cada tendão se rasgue e seus pulmões se afoguem em sangue. Mas quando se trata de questões do coração… Ela é como você e eu. Humana.” Trecho da narração do capítulo 3
Poucas histórias em quadrinhos da atualidade conseguem tocar em tantos assuntos de maneira tão interessante e bem conduzida. Você se impressiona, do começo ao fim, com o cuidado por trás do roteiro desta obra. Há paixão, verdade e entrega aqui, tornando cada conflito da narrativa algo forte o suficiente para enriquecer a sua leitura. É um quadrinho de super-herói completo, pois nos apresenta momentos dramáticos, ação, aventura, romance e até fortes mensagens sociais.
A história começa sutil, homenageando os vários momentos importantes da trajetória de quem é, para muitos, a maior heroína da Marvel. Sem usar flashbacks expositivos, o capítulo de introdução alterna entre passado recente e presente através de uma narração didática, mas inteligente e interessante. Eventualmente, tudo isso avança para sequências de ação que chegam ao clímax com um conflito ético difícil.

Ororo Munroe precisa tomar uma decisão: deixar que a opinião pública, influenciada pela mídia, siga acreditando que uma horrenda tragédia ocorreu por falha humana usando tecnologia alienígena ou revelar que o nascimento de um mutante específico teve peso maior no evento, mas colocando em perigo diversos outros mutantes inocentes com um inevitável movimento de repressão aos já oprimidos com Gene X. Qual decisão você tomaria?
Um dos pontos mais potentes de toda a trama é a força inerente da protagonista. Tempestade não é apenas uma mutante Ômega, mas a heroína mais publicada pela Marvel Comics de todos os tempos. Ela é uma mulher negra, uma líder carismática e um eco para diversas vozes que precisam ressoar. A equipe criativa por trás do quadrinho reconhece isso e usa todos esses elementos a favor da narrativa. Os envolvidos provam como profissionais de qualidade que se envolvem de verdade com um personagem podem tornar uma história solo poderosa, mesmo quando essa personalidade fictícia é mais costumeiramente usada em tramas de equipe.

Nesse sentido, outro grande ponto forte da obra se revela: Tempestade é apresentada para novos leitores (ou pessoas que pouco a conhecem) como alguém que vai muito além de seu histórico nos X-Men. Qualquer personagem pode carregar uma trama solo em mãos de bons profissionais, quem dirá uma das mulheres ficcionais mais importantes na história da cultura pop. Quando necessário, o enredo a reaproxima dos amigos X-Men, valorizando a “família” e seus laços para Tempestade, sem deixar de lado a sua independência fundamental nesta série.
O Santuário Tempestade, de maneira brilhante, é utilizado aqui para comprovar a potência solo e global da personagem. O abrigo nos é apresentado como um refúgio para todas as pessoas, indo além da categoria mutante. A Marvel finalmente entendeu que, mais do que o Professor X e qualquer outro, Ororo é o nome ideal para carregar a bandeira da união entre mutantes e humanos. Mais do que isso: ela é perfeita para a defesa dos direitos e da liberdade de todas as formas de vida no universo fictício da editora.

Há muitos momentos de ação épicos com painéis belíssimos. A arte do quadrinho é uma verdadeira obra! Porém, o que mais se destaca é o peso do conflito ético da protagonista, partindo da decisão mencionada no início do meu texto. As consequências do caminho que Ororo escolhe trilhar são duras, mas é justamente isso que a torna uma heroína tão grandiosa. Os maiores desafios de personagens tão complexos estão nesses detalhes e não em feitos contra vilões.
Também há consequências para a saúde física da mutante. O conflito do primeiro capítulo tem ramificações em toda a história, mas um aspecto bastante identificável aqui é Tempestade doar boa parte do seu tempo para os outros mesmo quando está precisando de ajuda também. Ororo opta por seguir atuando como protetora da Terra e vive momentos de preconceito antimutante vindo justamente de quem ela faz de tudo para salvar.

Esse dilema da personagem é, infelizmente, muito real. Quantas vezes nós negligenciamos nossos problemas para apoiar aqueles ao nosso redor? Quantas vezes, mesmo dando tudo de si, não recebemos o valor que merecemos? Até que ponto podemos nos sacrificar pelo outro? Não deveríamos colocar nossa saúde em risco pelo que acreditamos, mas na prática isso é comum para muitas das pessoas que praticam “pequenos heroísmos” na vida real. Esse é um tema que, embora não seja um dos principais do quadrinho, vai muito além da ficção desta obra.
No fim, — sim, uma ironia usar “finitude” para falar sobre a entidade cósmica explorada nesta obra — através dos seus atos e postura moral, Tempestade se prova digna de um poder, muito além do universal, que a escolhe não por seus feitos de guerra, mas por seus valores em busca da paz. É uma execução sensível e perspicaz que salienta que super-heróis não são culturalmente importantes pelo entretenimento de ação, mas pelos simbolismos que carregam e representam. A questão abordada pela escrita aqui é: até que ponto Ororo merecer se conectar a essa entidade é positivo?

A mais nova relação entre Ororo e a entidade primordial que se conecta a ela não é apenas benéfica. Ainda que de maneira tímida, este primeiro arco da revista que leva o nome da super-heroína usa o conceito de parasitismo, através de outros elementos, para nos deixar reflexivos sobre o futuro da Tempestade. Como essa relação evoluirá? Veremos algo semelhante ao que ocorreu entre Jean Grey e a Fênix ou algo totalmente novo?
Esse elemento da narrativa também é positivo para consumidores mais casuais do gênero, aqueles que apenas querem ver batalhas emocionantes e feitos incríveis para se usar de argumentos em redes sociais — nada contra vocês. Aqui, a Marvel opta por aumentar o nível de poder da super-heroína através da entidade cósmica mencionada, fazendo desse plot um sucesso tanto em termos de narrativa e mensagem quanto em qualidade de entretenimento.

Todos esses méritos com uma super-heroína em foco de um texto que, curiosamente, vem de um homem. Murewa Ayodele é um dos bons exemplos de escritores homens que são capazes e comprometidos o suficiente para construir narrativas com protagonistas femininas. Até os momentos em que a beleza de Tempestade é mais destacada não caem na objetificação rasa que já ocorreu historicamente — e diversas vezes — em situações parecidas com heroínas no geral.
Após meus elogios rasgados e antes da finalização, considero importante tocar no que é um dos pouquíssimos aspectos nem tão positivos da história. Na tentativa de convencer o leitor de que a nossa protagonista atingiu um patamar jamais visto antes, o roteiro peca ao não explorar os poderes próprios de Tempestade de maneiras mais criativas. No decorrer dos anos, vimos Ororo usando suas habilidades de modos inusitados e surpreendentes, indo muito além de simplesmente disparar raios e controlar ventos. Com tantos momentos de ação, o enredo facilmente contornaria essa falha se assim desejasse.

Esse elemento, por si só, não é algo que prejudica a qualidade da trama, mas pode passar a falsa impressão de limitação no alcance dos poderes da Tempestade — e isso justamente em um arco que quer comprovar o quão impressionante Ororo pode ser usando somente seus dons mutantes. Embora muitos fãs tenham ficado animados com a conexão dela à entidade cósmica, sempre achei mais interessante a Marvel se propor a usar a natureza mística da personagem e aproximá-la disso para ampliar seus poderes — usar uma entidade não necessariamente é ruim, mas é pouco inventivo. No início da HQ, um personagem feiticeiro é usado para “explicar” que, no momento, ela não pretende explorar esse seu lado. De certa perspectiva, isso é bom porque não encerra de vez esse assunto e abre margem para revisões futuras.
Em outras palavras… Quer ação eletrizante e empolgante? Quer conhecer melhor a Tempestade e mergulhar em suas nuances? Quer entender a importância histórica e cultural da heroína mais publicada da Marvel? Quer acompanhar a trajetória individual de uma força mutante ao mesmo tempo em que a atmosfera da trama valoriza seus laços tradicionais? Quer explorar o peso simbólico torrencial dos super-heróis na cultura pop mundial? Quer expandir seu conhecimento sobre o universo cósmico da Casa das Ideias? Se der um “sim” pra uma ou várias dessas perguntas, leia este quadrinho. De forma tempestuosa, eu recomendo!

Roteiro: Murewa Ayodele
Arte: Lucas Werneck, Luciano Vecchio, Mário Santoro
Lançamento: 2024/2025
Nota: 5/5
Comentários